Confira a mensagem da Diocese de Guaxupé para o Dia Mundial dos Pobres
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O projeto de emancipação eclesiástica do Sul de Minas remonta à última década do século XIX. Com efeito, foi na cidade de Campanha, por volta de 1890, que surgiu a ideia de um bispado na região. A iniciativa era fruto do trabalho de intelectuais leigos que almejavam transformar aquela cidade não apenas em sede episcopal, mas também em capital do então projetado estado de Minas do Sul, que deveria se separar do restante do Estado. Até então, a ampla região sul-mineira, circunscrita entre o rio Grande e os limites civis de Minas Gerais e São Paulo, estava dividida entre duas dioceses. As terras à direita do rio Sapucaí pertenciam ao bispado marianense e as da esquerda, ao paulopolitano. Todavia, a falta de respaldo nas altas instâncias da Igreja de então, bem como a repulsa do governo mineiro ao projeto separatista, fez com que aquele ideal não fosse avante naquele momento.
Com o advento do regime republicano e a consequente extinção do Padroado (acordo que a mantinha a Igreja unida ao Estado) houve um “boom” na criação de novas dioceses, visto que a Igreja ficou livre para se organizar, o que não lhe era consentido no antigo regime. Basta lembrar que até a queda da monarquia, em 1889, o Brasil tinha apenas onze dioceses e uma arquidiocese. Livre dos condicionamentos do Padroado, a Igreja modificaria rapidamente esse quadro. Com efeito, em 1900, o número das circunscrições eclesiásticas brasileira passaria para 19, alcançando 42, em 1910, e chegaria a 70, em 1925.
Foi, portanto, nesse contexto de organização eclesiástica que, no ano de 1895, ressurgiu o projeto de um bispado no Sul de Minas, porém, com sede na cidade de Pouso Alegre. À frente dessa iniciativa achava-se o padre José Paulino de Andrade, pároco local, que agia sob a orientação de Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, bispo de São Paulo.
Com a candidatura de Pouso Alegre para sediar a primeira diocese no Sul de Minas, outras cidades da região, como Campanha, Itajubá e Passos, também entraram na disputa. Contudo, a vitória coube a Pouso Alegre, sendo o bispado criado em 3 de agosto de 1900. Foi-lhe designado, como primeiro bispo, Dom João Batista Correa Nery, que tomou posse no ano seguinte. Abrangendo toda a região do Sul de Minas, a nova diocese era chamada simplesmente como o Bispado Sul-Mineiro.
Com a transferência de Dom Nery para Campinas, em 1907, seu sucessor em Pouso Alegre foi Dom Antônio Augusto de Assis, que já era seu bispo auxiliar. Dom Assis teve muitas dificuldades na condução da diocese, particularmente, devido às muitas dívidas herdadas do seu predecessor. De fato, desde antes de sua criação, o bispado pouso–alegrense tinha contraído dívidas com a formação do patrimônio adquirido, mas não totalmente pago. Essa situação pioraria no governo de Dom Nery, que se viu obrigado a contrair novos empréstimos para a construção dos prédios necessários ao funcionamento do bispado. A insistência dos credores para receber o que lhes era devido não dava as condições necessárias para que Dom Assis governasse bem a sua diocese. Além disso, os problemas enfrentados com o clero também lhe tiravam a paz. Parte dessa intranquilidade lhe advinha do seu próprio caráter, pois, segundo seus contemporâneos, Dom Assis, embora fosse um santo para o povo, era extremamente radical com seus padres.
Assim, incompatibilizado com parte do clero e do povo de Pouso Alegre e com os credores que não lhe davam trégua, decidiu mudar sua residência para longe da sede diocesana. No segundo semestre de 1913, dirigiu-se a Roma, onde pediu ao papa que lhe concedesse a licença para abrir uma segunda residência episcopal no território da sua diocese, com sede na então vila de Guaxupé, localizada a 230 quilômetros de Pouso Alegre.
A Santa Sé lhe concedeu a licença requerida, recomendando-lhe, contudo, que tal se fizesse paulatinamente, de modo a não desgostar os pouso-alegrenses. Voltando, ao Brasil, Dom Assis decidiu fazer o contrário e, do Rio de Janeiro, viajou direto para Guaxupé. Também mandou ordens à Pouso Alegre para que o seminário e a secretaria do bispado fossem transferidos para a mesma localidade. Desde então passou a governar a sua diocese desde a sua nova sede. Quanto ao palácio episcopal de Pouso Alegre, ele o alugou. Deixou ali apenas o vigário geral, com o qual se comunicava frequentemente. Essa situação perduraria de fins de 1913 a maio de 1916.
Em Guaxupé, já mesmo antes de passar a viver ali, Dom Assis obtivera o apoio de diversos fazendeiros locais, entre eles Joaquim Augusto Ribeiro do Vale, então senador estadual, que lhe prestaria grandes auxílios, patrocinando a ideia de dividir o bispado de Pouso Alegre e criar uma nova diocese com sede naquela localidade. Para animá-lo a ser ainda mais generoso com a Igreja, Dom Assis pediu ao papa que lhe concedesse o título de Conde Romano, o que se fez ainda antes da criação do bispado.
O projeto da nova diocese foi amadurecendo, e, em meados de 1915, Dom Assis o apresentou à Nunciatura Apostólica para que o submetesse à aprovação da Santa Sé. Não foi difícil obter a sua aprovação. Contudo, surgiu um problema: Dom Assis deveria saldar os débitos da Diocese de Pouso Alegre antes de passá-la ao seu sucessor. Impossibilitado de fazê-lo e desejoso de se ver livre de Pouso Alegre o quanto antes, ele decidiu assumir todas as dívidas para a nova Diocese de Guaxupé. Até mesmo as penhoras dos edifícios diocesanos em Pouso Alegre ele transferiria ao projetado bispado guaxupeense que, por isso, nasceria pleno de dívidas.
Estando a Diocese de Pouso Alegre liberada de todos os seus débitos, o papa Bento XV, pela bula Universalis Ecclesiae procuratio (A administração da Igreja Universal), de 3 de fevereiro de 1916, dividiu em duas partes o território da diocese pouso-alegrense, erigindo, na parte setentrional da mesma, o bispado de Guaxupé, que ficou composto de 33 paróquias.
A instalação da diocese, bem como a posse de Dom Assis, que foi nomeado seu primeiro bispo, só aconteceriam em 28 de maio do mesmo ano. O novo bispado, embora com boas perspectivas, estava completamente endividado. E o pior: com dívidas que não eram suas, mas que Dom Assis as assumira para poder sair de Pouso Alegre. Além dessas, existiam muitas outras dificuldades a serem superadas, sobretudo aquelas decorrentes da Primeira Guerra Mundial e da gripe espanhola que a seguiu.
Para tentar se desvencilhar das dificuldades financeiras, Dom Assis decidiu vender os patrimônios das paróquias e aplicá-los na amortização das dívidas e na construção dos edifícios necessários ao bom funcionamento do governo diocesano. Seu projeto era transformar a dívida externa da diocese em dívida interna com as paróquias, o que, no seu entender, seria mais fácil de gerir. Para cuidar da venda dos referidos patrimônios, contratou um advogado, doutor Pedro Eugênio Cleto, ao qual conferiu amplos poderes. Em algumas paróquias o advogado enfrentou grande oposição do povo, chegando a receber ameaças de morte. Mesmo assim conseguiu alienar boa parte dos patrimônios paroquiais. Todavia, dado que ele tinha uma comissão de 30% sobre cada venda efetuada, essa iniciativa do bispo rendeu pouca coisa à diocese. Em contrapartida, atraiu a antipatia e desconfiança de muitas pessoas da diocese à pessoa de Dom Assis.
Não obstante essas dificuldades, o capital levantado ajudou a edificar um grande prédio em Guaxupé, para servir de seminário diocesano e colégio. Mas como não esse dinheiro não era suficiente, o resultado foi que as dívidas da diocese, que não eram poucas, aumentaram ainda mais.
Envolto em dificuldades, pouco tempo após sua posse, Dom Assis começou a projetar um meio de deixar o bispado. Sua correspondência, quase diária, com a Nunciatura, comprova o estado de desalento em que passou como bispo de Guaxupé. O núncio, contudo, esforçava-se para que ele não deixasse a diocese ou que, pelo menos, saldasse as dívidas, antes de renunciar ao seu governo pastoral.
Ele procurou seguir essas determinações, mas não obteve êxito. A seu pedido, em 2 de agosto de 1918, o papa o nomeou arcebispo titular de Dioclecianópolis e auxiliar na Arquidiocese de Mariana, exigindo-lhe, porém, que permanecesse em Guaxupé até a nomeação do seu sucessor.
Passavam-se os meses e o novo bispo guaxupeense não era nomeado. A situação de Dom Assis foi se tornando cada vez mais difícil. Em março de 1919, ele dizia ao núncio que estava muito fatigado e abatido com os trabalhos do bispado. Tratando-se de uma diocese imersa em dívidas, os sacerdotes indicados para bispo de Guaxupé não se animavam a aceitar esse ofício.
Cansado de esperar a indicação do seu sucessor, em 19 de abril de 1919, um sábado santo, alegando cansaço, Dom Assis deixou, definitivamente, a Diocese de Guaxupé, indo para o Rio de Janeiro. Antes de partir, nomeou o pároco de Guaranésia, cônego José de Alencar e Souza, como encarregado do expediente. No Rio de Janeiro, ele permaneceria alguns meses, dirigindo-se, depois, à Mariana, para iniciar seu trabalho como bispo auxiliar. Mas mesmo em Mariana ele continuava preocupado com a situação da Diocese de Guaxupé, da qual ainda era responsável.
Para aliviar sua situação, Dom Silvério nomeou o citado cônego José de Alencar, para governador do bispado guaxupeense, de modo que Dom Assis ficasse isento daquela responsabilidade.
O cônego José de Alencar governou a Diocese de Guaxupé por quase um ano. Nesse período, conseguiu a volta de alguns padres que tinham deixado o bispado, além de ter colocado fim à polêmica venda dos patrimônios paroquiais. Sua ação foi fundamental para equilibrar a situação da diocese e prepará-la para a chegada do segundo bispo.
Dom Nery, em carta ao núncio apostólico, em 26 de novembro de 1917, dizia sobre a situação vivida por Dom Assis, tanto em Pouso Alegre quanto em Guaxupé: “Apesar de suas peregrinas virtudes, [Dom Assis] será sempre desastrado por excesso de escrúpulos e incerteza na ação” (Fonte: ASV).
Desde 1917, quando Dom Assis havia manifestado o desejo de renunciar, a nunciatura apostólica trabalhava na busca de um novo bispo para Guaxupé. O primeiro a ser indicado para o cargo foi o padre João Rodrigues de Oliveira, então capelão do Santuário de Bom Jesus, em Congonhas do Campo. Ele se recusou, terminantemente. Em seguida, o núncio apostólico indicou para bispo de Guaxupé o pároco de Petrópolis, monsenhor Teodoro da Silva Rocha, que também não aceitou de maneira alguma. Fracassadas essas duas tentativas, a nunciatura decidiu nomear esse ofício o pároco de Rio Branco (atual Visconde do Rio Branco), na Arquidiocese de Mariana, padre Antônio Emídio Correia. Este, pressionado pelo arcebispo marianense, acabou aceitando o cargo e a sua nomeação chegou a ser publicada. Contudo, alguns dias depois, se arrependeu. Foi até a nunciatura e, após muita insistência, conseguiu que fosse anulada a sua nomeação.
Após essas três recusas, o núncio apostólico, entendendo que devia buscar um candidato que vivesse bem distante da região, conseguiu encontrar um padre na Bahia que aceitasse ser bispo de Guaxupé.
Ele procurou seguir essas determinações, mas não obteve êxito. A seu pedido, em 2 de agosto de 1918, o papa o nomeou arcebispo titular de Dioclecianópolis e auxiliar na Arquidiocese de Mariana, exigindo-lhe, porém, que permanecesse em Guaxupé até a nomeação do seu sucessor.
Chamava-se Ranulpho da Silva Farias, era cônego da catedral de Salvador, tinha 33 anos de idade e era secretário do arcebispo soteropolitano. Após a ordenação episcopal, Dom Ranulpho viajou para Guaxupé, onde tomou posse como segundo bispo, em 28 de novembro de 1920.
Assim que tomou posse, Dom Ranulpho teve conhecimento do estado financeiro da diocese, o que lhe deixou assustado. Em conversas com o núncio, disse-lhe que se soubesse da situação do bispado de Guaxupé, nunca o teria aceitado. O representante do papa lhe respondeu que lhe havia ocultado a situação justamente para que ele o aceitasse.
Dom Ranulpho quis devolver as dívidas à Diocese de Pouso Alegre, mas Dom Otávio, bispo daquela diocese, se opôs tenazmente. Ele dizia ter aceitado aquele bispado com a promessa de que as dívidas fossem assumidas por Dom Assis em Guaxupé, que assim fora feito e que era impossível voltar atrás.
Destarte, a solução foi a diocese guaxupeense arcar com as consequências e tratar de saldar aqueles débitos.
Com tantos desafios, Dom Ranulpho não tardou a começar as visitas pastorais pela diocese. Nessas visitas, a maior parte delas realizadas no lombo de cavalos, além dos atos próprios do seu ministério, angariava recursos para pagar as dívidas. Já no primeiro ano de seu episcopado, conseguiu pagar a dívida com a Mutualidade Vitalícia, do Rio de Janeiro, e a que se devia ao Colégio Pio Latino Americano, de Roma.
Particularmente difíceis foram aquelas reclamadas por um padre espanhol, José Blanco, que não cessava de cobrá-las à diocese. Tratava-se de empréstimos feitos por esse padre a Dom Nery, nos idos de 1901, quando do estabelecimento da diocese pouso-alegrense. Na negociação dessa dívida, o arcebispo de Belo Horizonte serviu de intermediário entre Dom Ranulpho e o bispo de Pouso Alegre. Este último, embora se recusasse, acabou por arcar com uma parte desse pagamento. Até mesmo alguns bispos espanhóis foram consultados sobre o assunto, para se certificar que o tal padre José Blanco existia, pois se temia uma fraude.
Essa situação ocasionava sofrimentos a Dom Ranulpho. Com efeito, em 15 de abril de 1924, em carta ao núncio, ele revelava que tinha sido pressionado para aceitar a diocese, e desabafava: “[O encarregado da nunciatura] monsenhor Cortesi fez pressão para que eu aceitasse este posto de martírios, onde tanto tenho sofrido secretamente” (Fonte: ASV). Na mesma carta, dizia que a nunciatura chegara a pedir-lhe que fizesse um estudo sobre uma eventual mudança da sede diocesana, mas ele tinha se recusado a isso, para evitar vexames e mais sofrimentos.
Sendo jornalista, Dom Ranulpho tratou logo da fundação de um jornal, a que deu o nome de Jornal Diocesano, cujo primeiro número circulou em janeiro de 1921. Além disso, publicou diversas pastorais e participou ativamente de grandes momentos da Igreja no Brasil, como o Congresso Eucarístico Nacional, em 1922, bem como do movimento para a construção da estátua do Cristo Redentor, no morro do Corcovado, no Rio de Janeiro, para o qual fez uma coleta em toda a diocese.
Apesar das dificuldades econômicas, não deixou de ouvir também os apelos do papa e enviou ajuda humanitária às crianças pobres da Europa Central, na crise que assolou aquela região no pós-guerra.
Em 1924, na Diocese de Guaxupé, como em todas as outras do Brasil, foi realizada a visita apostólica. O frei Giuseppe de Persiceto, que a realizou, em nome do papa, louvou muito a ação de Dom Ranulpho. Dizia que, embora muito jovem, era dotado de vasta cultura, ciência e experiência. E que naquele momento ele tinha três grandes preocupações: formar um bom clero, terminar o pagamento das dívidas da diocese e construir uma bela catedral.
O clero, os religiosos, as religiosas e os leigos da diocese auxiliaram a Dom Ranulpho, moral e financeiramente, de modo que a situação aos poucos foi sendo regularizada e o bispado consolidado. Desse modo, ao concluir o relatório diocesano para a visita ad limina apostolorum, em fins de 1924, ele dizia ao papa: “Todas as coisas, nesta diocese guaxupeense, inspiram prosperidade, vida e esperança” (Fonte: ASV).
Com essas perspectivas, a Diocese de Guaxupé concluía a sua primeira década de existência, dizendo adeus a um período de grandes desafios, marcado sobretudo por acentuada desestabilização financeira. A partir desse período, ela pôde caminhar a passos mais decisivos rumo à sua plena consolidação e ao exercício efetivo de sua missão.
Por Pe. Hiansen Vieira Franco
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